quarta-feira, abril 13, 2011

A velha

Andar a pé é como ler, pintar ou dormir, tem algo de terapêutico, sobretudo se for sozinha. Não sempre, às vezes, para poder ser devidamente apreciado. 
Não falo com ninguém a não ser comigo e posso ir a cantar por dentro sem parecer tontinha. Normalmente também olho à minha volta, para as pessoas, para o que fazem, como se mexem, para as casas, sobretudo para as janelas sem cortina ou de persianas abertas. Devo ter um quê de voyeur... Já em pequena colava a testa ao vidro da janela do apartamento que habitava no 1º B e olhava para o prédio da frente. Nesse mesmo prédio  da frente vivia um colega meu da escola, não sei exactamente em que andar nem se alguma daquelas janelas era de casa dele mas isso não me impedia de imaginar o que se passava para lá das paredes. Havia um pai e uma mãe como os meus? E um irmão mais novo monopolizador da atenção desses pais, também haveria? Faziam o quê? Porque é que se punham à janela a olhar como eu? Coisas de garota.
Sempre que posso continuo a andar por aí a pensar no que vejo, gosto sobretudo de "fazer" ruas de bairros mais velhos onde há pessoas às portas e às janelas, costuma ser engraçado, trago sempre alguma coisa para contar. Olha a Rua da Rosa por exemplo, é um óptimo corta-mato quando quero descer para casa da R. ou quando o meu destino é o Chiado e não me apetece dar a volta toda pelo miradouro de São Pedro. Um destes dias, deve ter sido no sábado passado à tarde, descia eu a rua tranquilamente pelo meio do empedrado, é aproveitar enquanto não vem carro nenhum, e abre-se uma janela. Giro. Uma velhinha à janela de um último andar, um dos poucos que naquele emaranhado de prédios apanha algum sol. Típico também um fulano sentado na beira do outro passeio a beber a sua cerveja, olha para mim enquanto desço, acho que ele não viu a senhora lá em cima. 
De repente páro.
Fico tão atónita que páro no meio da estrada; assim à primeira o tipo deve ter achado que eu não estava bem, ali de boca meia aberta a olhar para cima mas tenho a certeza que partilhou da minha estupefacção quando ouviu o "ploc" seco que soou a vidro estilhaçado. Um saco de plástico branco atado com um nó acabava de ser atirado da janela para o meio da rua pela minha velhinha simpática do bairro antigo. Nem água vai, nem está alguém em baixo, nem nada. Ao fim de 5 segundos recupero, começo a abanar a cabeça, exclamo um "isto não é normal..." normalíssimo em casos que tais, após o qual o moço da cerveja desata a rir que nem um perdido. 
Continuei a minha descida ao mesmo tempo que me tentava convencer que ele ria da velha, não de mim. Terapêutico...

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