segunda-feira, maio 24, 2010

Os jardins

Fazem parte da minha vida desde criança. Era para lá que o meu pai nos levava religiosamente todos os domingos, passávamos horas a brincar enquanto ele ficava na conversa com os amigos. Acho que eram amigos dele mas para não mentir posso-lhes chamar de companheiros das tardes de domingo no jardim, assim está melhor.
Havia dois na mesma rua, separados por uma estrada, com entradas frente a frente. Um era o dos grandes, o outro era o nosso, aquele onde havia os sítios mais giros para brincar: o rectângulo de areia, os baloiços, os torniquetes, as casas de madeira, os escorregas, o lago para os barcos, os trilhos para as bicicletas e os passeios para os patins só que naquele tempo não eram em linha, eram com quatro rodas e ajustavam-se aos próprios sapatos. Os meus até davam para esticar consoante o tamanho do pé, vermelhos e amarelos, ainda me lembro, valentes tombos que dei com aquilo pela rua abaixo... Durante anos levei o meu balde para aquele sítio, juntamente com a pá e os moldes; ia buscar água ao lago para molhar a areia, tinha muito mais piada assim. Depois, o meu irmão herdou os meus pertences e eu passei para os escorregas e para os baloiços; havia uns de ferro vermelho em que se andava dois a dois, frente a frente, para mal dos meus pecados rapidamente deixei de lá caber, já és muito grande, já não podes, deixa andar os pequeninos. Até deixei de caber nas casotas de madeira, aquelas coisas que me pareciam grandes fortificações passaram a ser pequenas demais para que eu pudesse lá entrar; meu Deus, tinha tanta inveja do meu irmão... Desconfio que o sentimento era recíproco porque ele perguntava sempre porque é que não tinha patins; somos uns eternos insatisfeitos é o que é. No entanto, havia um momento em que estávamos sempre de acordo sobre o que fazer: era quando ouvíamos a carrinha dos gelados. Nem sempre éramos atendidos nos pedidos que fazíamos porque era suposto irmos para casa lanchar mas por vezes lá calhava e lá vínhamos todos contentes com um copinho, uma colher e uma bola; tínhamos tanto jeito para comer aquilo que por mais do que uma vez o manjar acabou por dar jeito às formigas. Numa palavra, ou em duas: era engraçado.
Ontem, na Gulbenkian, sentada na relva entre o sol e a sombra, vigiada por pombos empiolados nas árvores, lembrei-me disto tudo. Também havia criançada a brincar, dois miúdos reguilas descalços, a menina parecia uma boneca, loirinha. Um garoto pequenito vestido com um equipamento do Benfica dava pontapés numa bola com o pai, quanto me haviam de pagar para vestir uma coisa daquelas a um filho meu, juro que pensei isto... Casais idodos, amorosos, sentados nos muros baixos a fazer de banco, liam jornais, seguravam as folhas um para o outro.
A mim, se calhar, faltava-me um livro, tenho três ou quatro em lista de espera e aquele lugar é perfeito para isso. De resto? Tinha tudo. Pretty much...

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