segunda-feira, março 01, 2010

Uma história.

No sábado depois de almoço, o telefone tocou lá em casa.
Ó mãe, vai lá tu... De certeza que não é para mim!
Costumam confundir a voz da minha mãe com a minha, de modo que se sou eu a atender o telefone as pessoas começam logo uma conversa que não se dirige a mim. Tenho sempre que interromper e dizer que "Olhe desculpe, fala a I, só um momento que já passo a minha mãe".
E lá foi ela atender a chamada. Estava há tanto tempo ao telefone que de vez em quando ia espreitá-la mas não me pareceu que estivesse a fazer um frete, pelo menos não revirou os olhos nenhuma das vezes. Ouvi-a falar em nomes de pessoas que já cá não estão, pessoas que eu conhecia bem também, muito lá de casa sem serem família. Pessoas com histórias de vida muito modernas para a época em que viveram. Se calhar por isso tão interessantes, pelo menos para mim.
Quando desligou o telefone perguntei quem era. Que nem eu imaginava quem era...
No ano passado faleceu uma amiga lá de casa, uma senhora já com os seus setenta e tal anos que eu vi degradar-se nos últimos tempos que cá andou. Tinha uma voz muito característica, daquelas que se reconhecem no meio de milhões. Tinha, e tem ao que sei que ele ainda não morreu, um irmão escritor, pintor, cartoonista, é à vontade do freguês, conhecido da nossa praça de que sempre ouvi falar mas que pouco conheci. Vi-o pela última vez no funeral dela, está velho, que admiração... No entanto, a arrogância ou altivez que sempre o caracterizou continua lá. Mas adiante. Mulher culta, inteligente, bonita mesmo velha, pequenina, viajada, muitíssimo independente e senhora do seu nariz, era assim que ela era e era assim que ela achava que as mulheres deviam ser.
A pessoa que ligou era um amor antigo da senhora, que a minha mãe identificou imediatamente, como é que ele arranjou o número lá de casa é que ainda não entendi. Soube que ela morrera e queria conversar com pessoas que lhe tinham sido próximas.
Estiveram para casar mas acabou mal. Umas línguas fizeram chegar aos ouvidos dela que ele se tinha prometido a outra ao mesmo tempo, ela não fez mais nada a não ser escrever uma carta a acabar com a história. Sem apelo para ninguém pelos vistos. Era mentira, está bom de ver, incrível como nada muda, o diz-que-disse é uma constante dos tempos. Ele diz que ficou consternado e que nunca mais quis saber de ninguém. Ela casou, muitos anos depois numa idade em que já era considerada velha para tal coisa, não sei se para escapar à fama de solteirona, talvez não, não sei. Ironia das ironias, ficou viúva muito cedo.
Certo é que ele não a esqueceu e que quase cinquenta anos depois quis saber o que tinha sido a vida dela. Cinquenta anos. Pelos vistos quem gosta de nós gosta, passe um dia, um ano ou cinquenta.

Ficou de ir lá a casa um dia para tomar um chá e conversar um pouco mais.

Achei bonito.

1 comentários:

Carina Oliveira disse...

E eu tambem. PAssem os anos que passarem, ha pessoas que guardamos sempre no coração.
Beijo Grande

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