sábado, abril 24, 2010

Não ha dúvidas,

estamos na primavera. Pelo menos a Natureza acha que sim, é bom sinal; em princípio Ela sabe o que faz enquanto já o mesmo raramente se pode dizer de nós. A julgar pelo estado das cerejeiras do jardim (a da fotografia é uma delas), este ano vamos ter clafoutis com fartura, conheço uma pessoa que já se anda a lamber de pensar nisso. Não, não sou eu (é o meu pai); adoro cerejas, sobretudo aquelas duras cuja pele estala quando os dentes as trincam. Em geral gosto de fruta pouco madura, verde mesmo, pelo menos que dê para roer vá e é claro que as cerejas não são excepção. 
Quando era mais miúda era como os gatos de apartamento, tinha medo de tudo e de nada, não media muito o perigo que certas coisas podiam ter, muito por desconhecimento o que nem sempre é desculpa para a asneira. Estava-me a lembrar de uma vez em que estava cá de férias, era início de verão, meio de Junho provavelmente uma vez que os meus pais não gostavam de Julho e Agosto, por acaso foi um hábito que me ficou porque tenho tendência para evitar estes dois meses. Mas enfim, estava cá de férias, entregue à bicharada, à solta, sem televisão e com muita miudagem para brincar. Lembro-me de uma rica tarde em que a S. e eu estávamos sentadas à beira do tanque da água sobre o qual pendiam os ramos de uma cerejeira carregada de fruto. Era a tão mal-afamada hora do calor como se chama por cá, aquelas horas em que não se faz nada no campo porque o sol é insuportável de tão a pique que está; de modo que estávamos à sombra as duas enquanto as nossas mães conversavam. Deviam estar a falar da bebé, irmã da S., que tinha acabado de nascer; lembro-me que ela não estava particularmente feliz por ter deixado de ser filha única... Deu-nos no diabo da ideia de nos fazermos às cerejas, quer dizer, a ideia foi minha, ela não queria pois dizia que a mãe não a deixava comer àquela hora. Se engolirmos os caroços ninguém descobre, disse eu, esperta que era, e vamos lá de encher a barriguinha de cerejas com caroços incluídos.
Ai se eu soubesse na altura o que sei hoje acerca dos malefícios e perigos dos caroços das cerejas, sobretudo o que eles podem fazer ao sistema digestivo de uma criança. Nunca teria tido aquela ideia peregrina e mesmo que a tivesse tido, teria-a mandado dar uma bela curva. Fiquei tão doente, tão doente, mas tão mal que tive que confessar à minha mãe o que tinha feito e é claro que, como ela achou que ainda não tinha sido castigada o suficiente pela minha própria estupidez, ainda me proibiu de tomar banho no tanque de rega do pomar durante uns dias. Já na altura a vida era injusta. Bolas...

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